quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Iluminuras - Imagens - Adoração?

Lendo sobre o Bestiário na Idade Média, topei com um excelente artigo escrito pela medievalista portuguesa Angélica Varandas. Chamou-me a atenção este parágrafo sobre as iluminuras, o qual transcrevo a seguir.


Página do Missal de Jean Rolin, século XIV. Fonte da imagemBlog Ensinar História



"Na Idade Média, as imagens surgem como uma outra forma de leitura, proporcionando aos que não sabiam ler as palavras registadas pela escrita uma compreensão igualmente eficaz e viva das histórias bíblicas; as imagens constituem-se pois como a literatura dos laicos (litterature laicorum). Tal como o texto escrito, elas contam histórias: as mesmas histórias narradas pelas palavras, ou até outras histórias, porque dão ênfase a um determinado acontecimento narrativo, omitem pormenores ou adicionam outros. Por essa razão, tal como as palavras escritas, também as imagens são dotadas dos mesmos processos complexos que essas envolvem, isto é, a sua interpretação processa-se, de igual modo, em duas etapas: a lectio e a meditatio. Tal como acontece com o texto escrito, a imagem pode e deve ser lida a vários níveis, num processo gradual em que o sentido literal, através da contemplação, é ultrapassado para ceder lugar aos significados alegórico, moral e anagógico. Segundo S. Gregório, é esta dimensão das imagens como fonte de ensinamento e aprendizagem que as impede de ser encaradas como objecto de adoração e, em contrapartida, contribui para a sua função didáctica e moral. A arte da iluminura medieval reflecte também uma preocupação constante em atingir o ideal de totalidade e da união com Deus, aspecto a que nos temos vindo a referir".
Letra capitular “Q”, iluminura, século XIV. Fonte da imagem: Blog Ensinar História


Página de livro com iluminura referente á comemoração do Pentecoste, século XIV. Fonte da imagem: Blog Ensinar História


Segue a nota sobre a "arte da iluminura":


" Relacionada com esta concepção neoplatónica da imagem transitória, veículo para a formação mental e intelectual da verdadeira imagem (esta entendida como species e associada à memória), encontra-se a distinção entre lux e lumen, também ela integrada nas teorias ópticas estabelecidas por Robert Grosseteste. Segundo estas teorias, a lux é a luz apreendida pelos olhos, sendo, portanto, a luz natural e imediata, enquanto o lumen designa a luz primordial, produzida pela radiação divina. Deste modo, também a luz contém em si mesma uma natureza dual em que um dos seus elementos (a lux) é considerado inferior ao outro, mas necessário como meio privilegiado de condução a um estádio superior, corporizado no seu outro elemento (o lumen). Significativamente, a etimologia da palavra iluminura radica no étimo latino lumen e não em lux. Logo,  não só o termo sugere que as iluminuras são formas de captar e reflectir a luz (daí a utilização do ouro na pintura e dos metais nas encadernações), mas, acima de tudo, indica que é também pela iluminura que se alcança a verdadeira luz do conhecimento, protótipo da luz divina. Neste sentido, a iluminura não vem apenas ilustrar, vem também clarificar, explicar e comentar (illuminare). Dela resultam a leitura, a meditação e o estímulo da memória, pelo que, também ela permite alcançar o conhecimento e chegar mais perto da tão desejada comunhão com Deus".


Fonte: Medievalista on line,  revista digital do Instituto de Estudos Medievais
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa

Fonte das imagens: Blog Ensinar História, da Professora Joelza Ester Domingues - Mestre em História Social pela PUC SP.

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