sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CARTEIRA DE SENHORA

Texto da portuguesa Leonor Martins de Carvalho, que gentilmente autorizou a publicação neste blog. Interessante como encaixa-se perfeitamente à nossa realidade nacional. Vamos a ele:

DIA 30
Como a carteira foi a banhos à socapa e não me deixou pesquisar o seu conteúdo, fiquei por minha conta.
Nesta minha ermitagem (sei que não existe, mas parece que não chegam, as palavras…), não vejo nem leio notícias, não tenho ideia do que se vai passando fora dos meus horizontes, limitadíssimos, é certo, mas ao mesmo tempo infinitos. Vou então divagar, navegando sem destino, ora em alto mar, ora perto da costa, ao sabor dos ventos. Sei que vão ser rotas muito batidas, mas paciência, os déjà vus também têm direito à vida.
O que nos revolta mais hoje em dia?
Será alguns terem-nos roubado e deixado na penúria sem qualquer espécie de remorso?
Será sentirmos que a justiça nos abandonou?
Será viver num mundo em que já não cabem nem a palavra nem a honra substituídas pela mentira e os seus temíveis guarda-costas, a ganância e a ambição?
Será ver a miséria e abandono em que estão a lançar cada vez mais de nós?
Será saber que nos espremem sem dó nem piedade enquanto tudo continua na mesma e ninguém é responsabilizado?
Será porque nos tentam manipular a consciência apontando-nos como culpados sem perdão?
Será porque acreditámos em palavras que não queríamos acreditar serem ocas?
Será por vermos a soberania a fugir, o património devastado, a língua destruída, como coisa corriqueira de somenos importância ou facto consumado?
Será este sistema fechado em si próprio, uma caricatura a que chamam democracia mas em que sempre os mesmos se servem nenhum servindo Portugal?
Como a vida não é um concurso ou uma eleição podemos bem afirmar que é tudo isto que nos angustia e enoja.
Dizem-nos que os partidos existem para representarem as pessoas. Representam? Ou representam-se a eles mesmos, só rodando as personagens após as saídas para lugares de favor a quem favores prestaram ou para reformas que ninguém compreende?
As palavras, nos programas eleitorais, são vãs. Já sabemos há muito que o prometido antes de eleições só coincide com a praxis em milímetros e quase que por mero acaso. Não são novidade os discursos de políticos dizendo uma coisa e, com o maior dos desplantes, exactamente o seu contrário uns meses depois, voltando em seguida à primitiva quando lhes apraz.
Para chegarmos a este ponto (e não é problema só português), deixámos que toda a vida política (e não só) ficasse na mão dos partidos. Lenta e insidiosamente foram tomando conta de tudo, centralizando cada vez mais, para ter a certeza de que nada escapa ao seu controlo, convencendo-nos de que isso é que é democracia, porque votámos neles para nos governarem para nosso bem.
Um ardil tão grande, tão gigantesco, que vai levar anos a desmontar.
Tratam-nos como se fossemos imbecis, uns pobrezinhos que nada percebem das altas esferas da política, umas crianças órfãs, que precisam de tutores para os guiar pelas adversidades da vida. Neste caso, são eles que criam as adversidades, são tutores como nas histórias infantis a puxar à lágrima, que só querem ficar com o dinheiro do órfão e no fim o deixam na miséria.
Quem está a fazer qualquer coisa pelo país são os portugueses, não os governantes ou as oposições. Estão a sofrer como nunca mas continuam a lutar. A classe política não merece o povo que diz representar.
Há pouca gente verdadeiramente livre para falar. Mas os que o são, ouvimos sofregamente, e têm mais sucesso que qualquer político. Ainda não perceberam, os políticos. E têm medo. Medo de perder o controlo, as mordomias, o poder.
E podemos fazer o quê? Que portas nos deixaram abertas? Só vejo nesgas e buracos de fechadura.
Enchem a boca com o poder da sociedade civil, sabendo à partida que não tem nenhum, e se depender deles, nunca terá. Os meios de comunicação estão normalmente ligados a interesses comuns aos dos partidos.
É o reino do fingimento onde estamos literalmente sem rei nem roque.
Apenas nos temos a nós, um povo espantoso, que mesmo já com idade de descansar, lança as mãos à terra e a mais trabalho para ajudar os filhos.
Aqui, onde estou, ouvindo o silêncio, as folhas cantando o vento, e saboreando um pôr-do-sol português, penso que era fácil ir buscar as soluções à Fonte como vou buscar a água. Límpida, fresca e que sacia a sede.

Leonor Martins de Carvalho

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Candidato a vereador e poluição sonora.

Imagem retirada do blog "O Ferrão do Humor".
Inúmeros candidatos ao Legislativo Municipal, não tem a mínima ideia do que é ser um Vereador. Podemos notar isso pela sua maneira de fazer propaganda. Carros de som passam várias vezes com volume altíssimo em frente à Prefeitura, Câmara Municipal, escolas e igrejas, etc. 

Isto é indicativo de que ou são ignorantes quanto ao que determina a Lei ( RESOLUÇÃO TSE Nº 23.370, DE 14.12.2011 ), ou sabedores da regra, a estão burlando.

Como diria o comentarista global: " a regra é clara". Diz o Parágrafo 1º, do Artigo 9º, da Resolução do TSE:

§ 1º São vedados a instalação e o uso de alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a 200 metros, respondendo o infrator, conforme o caso, pelo emprego de processo de propaganda vedada e pelo abuso de poder (Lei nº 9.504/97, art. 39, § 3º, I a III, Código Eleitoral, arts. 222 e 237, e Lei Complementar nº 64/90, art. 22): 
I – das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos órgãos judiciais, dos quartéis e de outros estabelecimentos militares; 
II – dos hospitais e casas de saúde; 
III – das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento.
Daí podemos deduzir: 

  1. se o candidato é ignorante da Lei que  normatiza a campanha eleitoral, então não merece receber votos. Obviamente não teve capacidade para ler algo de seu inteiro interesse. Sendo assim, como irá, caso eleito, fiscalizar e legislar em favor da população se o seu dever e obrigação é ler e conhecer as leis?
  2. caso conheça a norma e a transgride conscientemente,  o que poderemos esperar de um político de tal naipe,  se eleito?
  3. jogar a culpa no funcionário, também não convence. Antes de enviar o carro/moto para as ruas, tem obrigação de instruí-lo.
No mais, será que o sujeito pensa que com seus jingles reles e irritantes, irá atrair de verdade eleitores?

Giovani Rodrigues

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Igrejas sempre tiveram bancos?

A partir da imagem de uma pintura partilhada no meu Facebook, aprendi coisas interessantíssimas sobre a nossa Igreja com o amigo e professor Carlos Ramalhete. Coisas essas que nunca foram ensinadas na Catequese. 

Trago para o blog a conversa, porque é uma forma de levar a outras pessoas esta deliciosa aula que recebi do Ramalhete. 

Interno della Cattedrale gotica di Anversa, 1612 - Pintura de Paul Vredeman de Vries. 
Carlos Ramalhete: Duas coisas bem interessantes:
A gama dinâmica da pintura, que hoje só se consegue com HDR;

O espaço aberto e "democrático" da igreja clássica, em que não há bancos forçando as pessoas a olhar pra frente, há várias Missas ao mesmo tempo, etc. Daqui a uns cem ou duzentos anos, provavelmente as igrejas terão voltado a ser assim.

Giovani Rodrigues:  Fantástico. Realmente a fotografia em HDR assemelha-se demais à pintura.  Não sabia que as igrejas não tinham bancos. Sabe quando começaram a ser introduzidos?  Sabia que havia várias missas ao mesmo tempo, mas não que era desta forma. Muito legal!

CR: O uso de bancos foi uma inovação protestante, que aos poucos foi se introduzindo na Igreja.

GR:  bom saber disso. Agora só vou assistir à missa de pé. mas são uns folgados mesmo, hem?

CR: É engraçado como essas coisas pseudo-democráticas (no protestantismo, a ausência de ordens, que faria com que cada um fosse, em teoria, um sacerdote - Cf. Jd11) acabam sendo nem um pouco democráticas. Na Igreja, cada um podia focar a sua atenção no que quisesse, com gente indo de Consagração em Consagração, outros ficando do começo ao fim numa mesma Missa, etc. O foco era Deus, e com isso cada um podia focar no que quisesse usar para apontar pra Ele.

A questão não é folga, é a obrigatoriedade de ouvir um mané falando. O "pastor" estava lá, mandando ver na oralidade (oratória & oração...), e todo mundo tinha que ouvir as besteiras que ele falava. *Ele* ficou importante, enquanto o padre é um mero instrumento.

GR: Rapaz, interessantíssimo isso tudo.

CR:  Repare na diferença entre o espaço sagrado e teocêntrico da Igreja, onde ocorre o mesmo Sacrifício em vários altares, e o espaço antropocêntrico criado pelo protestantismo, em que bancos forçam as pessoas a prestar atenção em alguém falando. E este falador, por estar virado para as pessoas, presta atenção nelas, fazendo o "círculo fechado" que o Papa acusa. Na pintura acima você vê que não há círculos: as pessoas estão todas voltadas pra Deus, em vários altares. O espaço todo é espaço cultual.

GR:  Sim! Na imagem as pessoas estão dispersas. os padres celebram sem se importarem de ter ou não "platéia". Mas e as homilias? Sei que existem sermões maravilhosos dos Padres da Igreja. Eram aos domingos, onde mais católicos podiam comparecer?

CR:  Isso; tanto que se você pegar os Sermões de Pe. Antônio Vieira, por exemplo, você vai ver que é um pra cada domingo. E aí - nessas missas mais solenes - a homilia era feita do púlpito que você pode ver, à direita, bem no meio da igreja e acima das cabeças. Assim não se corria o risco de misturar a ação humana (o sermão, para o qual o padre tira o manípulo, marcando que é "outra coisa" que não o serviço do altar) com a ação divina.

GR:  Por que nunca me ensinaram estas coisas na catequese? :(